Penhora de Criptomoedas
Por Benjamim Pinheiro
Publicado em 03/08/2020 - 09:21

Considerada a primeira moeda digital mundial descentralizada, o Bitcoin é uma criptomoeda ou um dinheiro eletrônico para transações ponto-a-ponto, apresentada em 2008 por um programador ou grupo de programadores sob o pseudônimo Satoshi Nakamoto, constituindo-se como um sistema econômico alternativo, e responsável pelo ressurgimento do sistema bancário livre.

Mas o objetivo do presente artigo não é explicar como funcionam as plataformas de Bitcoins, e sim fomentar à possibilidade de penhora judicial de criptomoedas, ainda que de difícil realização.

A criptomoeda é um bem imaterial, uma criptografia descentralizada e não considerada como moeda pelo Banco Central do Brasil, tampouco pela Comissão de Valores Mobiliários. A criptomoeda não tem lastro (comprovação do real valor), nem regulação legal.

O artigo 789 do Código de Processo Civil dispõe que: “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.” Assim, deve-se observar o rol taxativo de bens impenhoráveis previsto no art. 833, do mesmo Diploma Legal, cujos itens não faz menção à impenhorabilidade de criptomoedas. Logo, é perfeitamente legal o requerimento de penhora sobre criptoativos.

Nesse sentido, o aporte patrimonial em Bitcoins despertou interesses no mundo jurídico, já que existem entendimentos jurisprudenciais no sentido de que “por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”. Este é o trecho de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do recurso de Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000.

Entretanto, neste mesmo julgamento, o Relator Milton Paulo de Carvalho Filho, negou provimento ao recurso, por entender que a parte recorrente “não apresentou sequer indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza. Tampouco evidenciado que os executados utilizam moedas virtuais em suas atividades.”

Isso porque o credor que faz o pedido de penhora de criptomoedas deve demonstrar que a medida será eficaz, direcionando de forma específica que o devedor seja titular de bens dessa natureza, e produzindo provas nesse sentido, sendo insuficiente a mera alegação de que o devedor mantém bitcoins, o que resultará ineficaz o pedido genérico de expedição de ofício para uma série de exchanges de criptoativos, vez que o Poder Judiciário não admite a expedição indiscriminada de ofícios sem o mínimo de indícios nesse sentido.

 

Mas como comprovar indícios de investimentos em bitcoins?

 

Existe uma Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.888/2019, a qual institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

Ou seja, todo e qualquer CPF e CNPJ que opera com criptoativos tem a obrigação de prestar informações à Receita Federal.

Se por exemplo, o devedor fez uma movimentação financeira com criptomoedas, a exchange de criptoativos, por obrigação legal, informou a Receita Federal. E se foi informado à Receita Federal, pode o advogado requerer a expedição de ofício à Receita Federal, no sentido de verificar se alguma corretora de criptomoedas prestou as informações obrigatórias a própria Receita Federal no tocante a movimentações com criptoativos por meio do CPF ou CNPJ do devedor respectivo, indicando a IN da RFB nº 1.888/2019 como fundamento legal ao juiz da causa. O magistrado então utilizará da ferramenta Infojud ou determinará a expedição de ofício.

Retornando positiva a resposta da Receita Federal, tem-se um indício de operação com criptomoedas. Então o próximo passo será requerer uma nova expedição de ofício a corretora de criptomoedas, podendo ser feito pelo próprio advogado da causa, desde que autorizado pelo magistrado por meio de decisão judicial.

A corretora destinatária do ofício responderá se tem ou não saldo para aquele CPF ou CNPJ apontado, se existe alguma movimentação e/ou se determinada pessoa tem ou não tem cadastro junto à corretora, dependendo do pedido específico, bem como do que constar na decisão judicial.

O caminho para que recaia a penhora sobre criptomoedas parece ser mais simples quando o titular as deixa sob administração das corretoras, uma vez que o acesso a elas é mais prático. As corretoras garantem certa segurança aos operadores, pois podem ser responsabilizadas caso esses fundos sejam perdidos.

No que concerne às exchanges (plataformas digitais que facilitam a compra, a venda e a troca de criptomoedas), já se discute nos Tribunais sua responsabilidade pelo armazenamento de tais “ativos”.

Enquanto o proprietário da criptomoeda não a armazena em sua wallet (carteira digital), suas moedas virtuais ficam sob gerenciamento da exchange, e nesse período pode haver a possibilidade de intercorrências, como invasões por hackers, falência e até prática de atos ilícitos por elas.

A custódia das moedas pode ser feita pelo próprio detentor. Ou seja, o detentor pode ter sua carteira digital privada (offline ou online). Se as criptomoedas estiverem “fora da internet”, as chances de penhora de criptoativos restaria impossibilitada, vez que não se teria a chave privada para acesso offline.

No entanto, em algumas ações em que há obrigação de fazer, o juiz pode determinar medidas necessárias à satisfação do exequente, por exemplo a transferência da posse de criptomoedas, com base no art. 536, do CPC. A partir de então, o juiz pode determinar a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas.

Na prática parece ser uma medida judicial bastante excepcional na seara do processo civil, já que a execução deve ocorrer da forma mais branda, ou menos prejudicial ao executado, mas o Código de Processo Civil permite que assim seja feito, caso haja indícios mínimos de que determinado devedor é detentor, nesse caso, de criptomoedas.

Daí porque o requerimento deve ser feito de forma bastante específica, pois se o exequente não demonstrar ao magistrado qual bem ele realmente deseja buscar, a diligência a ser realizada por meio de oficial de justiça restará negativa.

Por fim, há notícias de que o governo já trabalha em prol do sistema Bacenjud, no sentido de bloquear criptomoedas, considerando para além do convênio com os bancos, inserir as corretoras de criptomoedas, havendo alguns estudos e também um interesse do governo nesse sentido.

Portanto, se as corretoras de criptomoedas forem incluídas no banco de dados do Bacenjud, poderá o juiz utilizar da ferramenta para oficiar todas as corretoras de criptoativos a fim de obter uma resposta mais prática a respeito do bloqueio de criptomoedas, no intuito de satisfazer a pretensão do credor.

De qualquer forma, o assunto ainda é bastante polêmico tendo em vista ser bastante recente e inovador na seara processual.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 03/08/2020.

BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa RFB nº 1888, de 03 de maio de 2019. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592>. Acesso em: 03/08/2020.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000 – São Paulo. Relator: Desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho. Pesquisa de Jurisprudência. 36ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 21/11/2017. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/522705994/22021573520178260000-sp-2202157-3520178260000/inteiro-teor-522706031>. Acesso em: 03/08/2020.

Penhora de bitcoin exige que credor prove sua existência, decide TJ-SP. Consultor Jurídico. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-dez-06/penhora-bitcoin-exige-credor-prove-existencia-tj-sp>. Acesso em: 03/08/2020.

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